18 de agosto de 2020
Quem tomaria uma decisão de longo prazo no meio de uma pandemia que colocou em dúvida a manutenção dos empregos, mudou o jeito de trabalhar e até de viver? Pode parecer surpreendente, mas milhões de brasileiros estão dando esse passo e contratando crédito imobiliário - cujos prazos vão de 30 a 35 anos - no meio desse cenário nebuloso.
O financiamento habitacional foi a linha que mais cresceu nos balanços de alguns bancos no segundo trimestre. Depois de uma estremecida no fim de março, as concessões já estão acima do patamar que se via no início do ano. Foram liberados em junho R$ 9,27 bilhões, volume que o torna o mês mais aquecido desde janeiro de 2015, conforme dados da Abecip, a associação das instituições financeiras que atuam no segmento. Os dados de julho ainda não foram divulgados, mas as instituições financeiras sinalizam que virão ainda mais fortes.
“Quando a crise começou, foi uma insegurança geral, aquela sensação de desastre iminente. Mas o que se viu foi quase uma recuperação em V”, afirma o diretor de crédito imobiliário do Bradesco, Romero Albuquerque.
A demanda natural por habitação (casamentos, nascimentos, divórcios etc.) e o repensar da moradia provocado pelo isolamento social ajudam, mas nada representa um empurrão tão forte no crédito imobiliário quanto a redução das taxas de juros.
O setor vem trabalhando com contratos em torno de 7% ao ano mais TR (atualmente zerada) ou de até 4,95% ao ano mais IPCA. Em meados de 2017, a taxa média estava acima de 10% ao ano mais TR. Essa diferença incluiu mais 4,5 milhões de famílias, tornando o crédito imobiliário elegível a cerca de 9,3 milhões de famílias, de acordo com o Bradesco.
Cada ponto percentual de queda nas taxas de juros representa um aumento de 8% a 10% na capacidade incremental de pagamentos do cliente. Isso significa não só colocar mais gente para dentro do mercado como também permite que caibam no bolso as parcelas de imóveis maiores e mais caros, diz Sandro Gamba, diretor de negócios imobiliários do Santander. “A taxa de juros mais baixa permite a migração de dinheiro da renda fixa para outros ativos”, afirma.
O executivo aponta ainda outro fator: na pandemia, alguns procedimentos para a contratação de crédito imobiliário foram simplificados, o que acelerou o fechamento das transações.
“Nunca antes nos meus 40 e poucos anos de construção houve um momento macro tão favorável quanto este”, afirmou Rubens Menin, fundador da construtora MRV, em evento do setor na semana passada.
Com 70% do mercado de crédito imobiliário no país, a Caixa dobrou a produção em julho deste ano em relação ao mesmo mês do ano passado. E agosto está 30% mais forte que julho. Além dos juros mais baixos, o presidente do banco, Pedro Guimarães, atribui o crescimento à decisão de conceder aos clientes carência de seis meses no pagamento das parcelas. “Muitas pessoas que estavam na dúvida resolveram comprar”, afirma.
A Caixa também passou a embutir o impostos sobre transações imobiliárias e as custas cartoriais no crédito, diluindo o desembolso inicial dos compradores.
No Bradesco, o saldo de crédito imobiliário a pessoas físicas aumentou 6,2% de março para junho, chegando a R$ 49 bilhões. De acordo com Albuquerque, a produção caiu 30% em março, mas se recuperou e em junho, com R$ 1,556 bilhão, já havia superado o ritmo pré-crise. Em julho, a originação ficou 10% maior que antes da pandemia. “A gente imaginava que este seria um ano muito bom, depois passou a imaginar que seria muito ruim, e agora já volta a esperar que seja um belo ano para o crédito imobiliário a pessoa física”, diz.
No Itaú Unibanco, a carteira imobiliária de pessoas físicas fechou junho em R$ 48,8 bilhões, com alta de 3,5% em relação a março. Foi a modalidade com desempenho mais forte para o banco no período. Por meio de nota, o Itaú afirma que a digitalização que veio a reboque do isolamento social é outra razão para o aquecimento.
O saldo para pessoas físicas aumentou 1,7% no Santander de março a junho, para R$ 38,4 bilhões. O banco puxou a fila na oferta de 6,99% ao ano mais TR, anunciada em junho, e adotou outras medidas para impulsionar a demanda, como a possibilidade de o cliente compor renda com outras pessoas e o prazo de 35 anos.
A expansão, de acordo com os bancos, é generalizada entre os perfis de clientes e de imóvel. “Isso é importante porque equilibra o mercado”, afirma Gamba, que já foi presidente da Gafisa.
A captação recorde da poupança nos últimos meses não deixa de ser um impulso a mais para o setor - os bancos são obrigados a destinar ao crédito imobiliário 65% do que arrecadam na caderneta.
Esse motivo, entretanto, não é determinante, de acordo com os executivos. Primeiro, porque consideram que o boom da poupança vai arrefecer à medida que a crise for superada, as pessoas voltarem a consumir mais e retomarem a confiança. Segundo, porque as instituições já costumam destinar ao crédito imobiliário mais do que são obrigadas. “É uma linha superimportante porque traz relacionamento de longo prazo e possibilidade de cross-selling -venda de outros produtos-”, afirma Albuquerque, do Bradesco.
Além disso, a regra do Banco Central para o direcionamento dos recursos leva em conta a média das captações da poupança em 36 meses, o que atenua essas variações conjunturais.
O patamar atual de juros também torna o setor bem menos dependente da poupança. A securitização das carteiras começa a entrar no radar dos bancos, que agora contam com liberdade de indexador para as operações.
Segundo Guimarães, a Caixa retomou os planos de securitizar sua carteira indexada pelo IPCA, que já soma R$ 10 bilhões. Um primeiro CRI, de R$ 500 milhões, está previsto para ser lançado em outubro. Outras operações, com prazos diferentes, também já estão engatilhadas. “Boa parte da demanda vem dos nossos clientes do wealth”, afirma.
O banco prepara agora um novo passo nas linhas indexadas pela inflação. A partir de setembro, o comprometimento de renda dos clientes nos contratos da modalidade, que hoje é de 20%, poderá ser de até 22%.
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