O setor de construção começa a se preparar para o novo cenário que se desenha com a disseminação do coronavírus no país, principalmente em São Paulo, maior mercado imobiliário nacional. Há preocupações, principalmente, com os rumos do segmento de média renda - muito afetado pelos indicadores macroeconômicos - e com o ritmo de liberação de licenças para os projetos imobiliários. Incorporadoras já estão mais cautelosas na aquisição de terrenos e, conforme o desenrolar dos acontecimentos, poderão postergar lançamentos. Por enquanto, o ritmo de vendas está mantido.
“Vai haver um retrocesso na retomada do mercado para a classe média”, afirma o presidente da Brasil Brokers, Claudio Hermolin. Na avaliação do dirigente da segunda maior rede de imobiliárias do país, a não ser que a crise seja muito rápida e sem redução de postos de trabalho, “o ano será perdido” para o segmento de média renda, responsável por fatia de 45% a 50% do mercado.
Hermolin diz que a retomada da faixa de imóveis destinada ao padrão médio-alto, responsável por 15% a 20% do mercado, começou antes da volta das vendas para a classe média. “Dado o cenário de volatilidade da economia, as pessoas de classe média-alta ficam com medo do que acontecerá com seus recursos, e o imóvel é visto como moeda forte”, afirma, acrescentando que, historicamente, ativos reais são procurados em “momentos de total instabilidade”.
Na avaliação do presidente do Secovi-SP, Basílio Jafet, como o setor é de longo prazo, mesmo que possa haver adiamento da compra do imóvel, devido à disseminação do coronavírus, “é provável” que a aquisição seja feita. Mas, em caso de desaceleração expressiva da economia, pode ocorrer “adiamento real” da compra.
Até o último fim de semana, não houve alterações no ritmo de comercialização de unidades novas nem na taxa de conversão de vendas no mercado paulistano. O Secovi-SP está mantendo a expectativa de estabilidade de vendas neste ano em relação a 2019. “É prematuro rever projeções para o ano. Não sabemos se estamos no início ou no auge da questão do coronavírus. O grau de incerteza é muito grande”, diz Jafet.
Segundo o presidente da Tecnisa, Joseph Nigri, a companhia está em compasso de espera, sem intenção de fazer lançamentos no curto prazo. “Estamos em postura defensiva para preservar caixa e colaboradores”, diz Nigri. No novo cenário, a incorporadora poderá até assinar contratos de aquisição de terrenos, desde que os pagamentos tenham cláusula de aprovação pelo conselho de administração. Os plantões de vendas da Tecnisa têm funcionado em escalas reduzidas, e 75% dos funcionários de escritório estão trabalhando em regime de “home office”.
A Cyrela não sentiu impacto significativo de vendas nos plantões e mantém seus estandes abertos para atender aos clientes. A incorporadora está monitorando a movimentação de mercado, avaliando o ritmo de lançamentos e analisando os impactos do coronavírus nas suas operações. O mapeamento e a compra de terrenos estão mantidos pela Cyrela, por se tratarem de “etapa importante da estratégia da companhia, independentemente do cenário econômico”.
Com atuação no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, a Tenda sentiu pouco impacto em suas vendas até segunda-feira. “Mas esse cenário pode mudar, rapidamente, nos próximos dias, à medida que o nível de tensão com contato social aumentar na população em geral”, afirma o presidente, Rodrigo Osmo.
Segundo o presidente da Tenda, o potencial aumento do desemprego formal e a falta de opções para quem tem renda informal irão dificultar o processo de venda. Isso tende a significar “menos clientes potenciais, no momento de compra, e bancos mais restritivos na concessão de crédito”. Por outro lado, diz Osmo, a habitação popular tem “alta demanda latente” e, no segmento, a decisão de compra é menos afetada por expectativas econômicas do que pela situação atual.
Neste momento de incerteza, o caixa deve ser o “ativo mais precioso do mercado”, segundo o presidente da Tenda, para assegurar a liquidez da empresa e possibilitar que sejam aproveitadas “oportunidades em um contexto de baixa liquidez”. Nas aquisições de terrenos, a incorporadora pretende reduzir a parcela paga em caixa e buscar melhores condições comerciais. “Os ativos líquidos, ações, valem hoje 50% do que valiam há 15 dias. Essa deveria ser a realidade também para os ativos ilíquidos”, diz Osmo.
Em nota, a MRV - maior incorporadora do país - disse que os lançamentos estão seguindo os cronogramas e que as vendas têm sido realizadas “de maneira individual, com agendamentos, para evitar aglomeração”. “As obras estão funcionando, os colaboradores do grupo de risco foram afastados, e há monitoramento diário dos demais profissionais, mitigando eventuais riscos, mesmo que o trabalho seja realizado ao ar livre e com baixíssimo adensamento.”
Segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Odair Senra, o ritmo de obras prossegue normalmente. Até o fechamento desta edição, o Sinduscon-SP não tinha sido notificado de nenhum caso de covid-19 por seus associados. Segundo Senra, o setor se prepara para eventual orientação do governo em relação à paralisação das obras.
“Nossas obras continuam com o ritmo normal, até o momento. Deveremos parar as atividades caso seja decreto do governo”, conta o presidente da Trisul, Jorge Cury. Por enquanto, as metas de lançamentos para o ano estão mantidas, assim como negociação e busca de terrenos. “Estamos acompanhando a evolução da disseminação do vírus e otimistas que isso passe logo nas próximas semanas”, diz Cury.
A Trisul ainda não sentiu diminuição no ritmo de vendas, mas prevê redução da visitação a partir desta semana e, consequentemente, do ritmo de propostas. Para tentar compensar a menor presença de potenciais consumidores, a companhia tem reforçado as equipes de atendimento online e remoto. Funcionários de escritório estão trabalhando em sistema de rodízio desde a semana passada.
O sócio da SF Consultoria Imobiliária, Raphael Sampa, conta que, nos últimos dias, as visitas aos imóveis diminuíram, mas as consultas pela internet aumentaram. Com atuação na zona Oeste da cidade de São Paulo e 400 corretores, a imobiliária tem recebido mais propostas de clientes. “As pessoas entendem que este é um bom momento para comprar imóveis”, afirma Sampa.
Fonte: Valor Econômico