26 de abril de 2023
Artigo de Luiz França, presidente da ABRAINC, publicado nesta quarta-feira, 26 de abril, no Estadão
Os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) têm permitido a oferta ampla de habitações de interesse social, beneficiando milhões de famílias. Isto se deve ao princípio de que o custo dos imóveis destinados às faixas de baixa renda tem de ser módico, o que seria inviável em caso de aumento da remuneração paga aos cotistas do Fundo. O que se pretende a título de justiça social pode, na verdade, ser um tiro no pé, inviabilizando o financiamento da moradia popular e pondo em risco um dos objetivos centrais da política social definida pelo governo do presidente Luiz Inacio Lula da Silva.
Entre 2009 e 2022, o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) permitiu a produção de 2,5 milhões de moradias, em benefício de 350 mil famílias por ano e propiciando a geração de 2,7 milhões de empregos diretos e indiretos. Trata-se, portanto, de um enorme êxito, com outras implicações políticas e econômicas favoráveis.
Nada menos de 86% das famílias que adquiriram seus imóveis pelo MCMV têm rendimento mensal de até quatro salários mínimos, conforme dados de 2021. Em sua quase totalidade, elas não teriam acesso à moradia própria se não houvesse um programa social equilibrado e sustentável.
Uma elevação de 3% ao ano no juro da habitação social, que resultaria da proposta em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), inviabilizaria o financiamento social nas bases atuais, implicando no desenquadramento de 75% das famílias com acesso ao MCMV. O déficit habitacional do País está concentrado na proporção de 90% em famílias com renda inferior a 3 salários mínimos.
Os cotistas do Fundo estão atendidos. A remuneração das contas do FGTS já foi elevada uma vez, nos últimos anos, mediante a transferência da maior parte dos lucros do Fundo (96% em 2021 e 99% em 2022) para os cotistas. Assim se fez a justiça ora pretendida, sem criar obstáculos à oferta de crédito com recursos do FGTS.
Cabe notar uma característica da composição das contas do FGTS: os trabalhadores com carteira assinada e renda superior a 6 salários mínimos detêm 80% dos saldos do Fundo. Com tais recursos se torna possível financiar a maioria de trabalhadores que recebe até 4 salários mínimos mensais. Uma alta dos juros traria benefícios concentrados às faixas de maior renda, ao mesmo tempo em que afastaria as classes de menor renda do acesso à habitação.
As consequências de um aumento dos juros no FGTS podem, assim, ser extraordinariamente nocivas às políticas públicas, à economia e à indução de investimentos.
Para crescer, as nações precisam ter regras estáveis e políticas previsíveis. A criação da prosperidade depende de instituições inclusivas, que permitem ampliar o número de pessoas com acesso a bens essenciais, como é o caso da moradia. O empoderamento das faixas de menor renda é o caminho perseguido por países democráticos para desenvolver seus mercados e atrair investidores. É do que se precisa no Brasil.
Isso significa uma economia mais pujante, com mais emprego, mais renda e mais participantes. É o que sugerem economistas como Daron Acemoglu e James Robinson na obra clássica Por que as nações fracassam – As origens do poder, da prosperidade e da pobreza.
Criado meio século atrás, o FGTS tornou-se um exemplo de boas políticas públicas no País. É um instrumento consagrado que ajudou a estabilizar as relações de emprego, estimulou as contratações de pessoal com carteira assinada e ampliou enormemente o acesso à habitação.
Como ensina o Prêmio Nobel Douglas North, “as instituições são invenções humanas criadas para estruturar as interações políticas, econômicas e sociais ao longo do tempo”. Tal é o resultado da boa aplicação do FGTS. Não se deve mudar o que já provou que dá certo.
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