2 de dezembro de 2024
Cerca de cinco anos após a criação do saque-aniversário do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) pelo governo passado, o diretor-presidente da Direcional, Ricardo Gontijo, diz que percebeu uma redução no poder de compra da casa própria pela população de baixa renda.
Ele diz que as pessoas passaram a fazer dívidas para antecipar os recursos do fundo e acabam utilizando o dinheiro com gastos "não tão nobres".
Com sua empresa voltada prioritariamente para o público do programa Minha Casa, Minha Vida, Gontijo defende que o FGTS seja restrito novamente para que famílias utilizem o recurso como entrada de um imóvel e, assim, consigam se beneficiar socialmente.
"Muitas vezes proporcionamos que as pessoas saiam de áreas onde não tem um esgoto tratado, onde tem certa intermitência no fornecimento de água e onde os filhos dessas famílias não têm um lugar adequado para estudar". Confira os principais trechos da entrevista.
A Direcional está perto da sua máxima histórica de preço de ação, alcançada recentemente. Na sua visão, o que tem levado os investidores a acreditarem na empresa?
Acho que a gente tem conseguido entregar resultados crescentes em termos de análise de lucro líquido e retorno sobre o patrimônio. Então, acho que as principais métricas, quando analisamos os nossos resultados, têm de certa forma caminhado no sentido positivo.
Saindo um pouco dessa análise operacional, quando olhamos o cenário no Brasil, o crédito é muito importante quando falamos de mercado imobiliário. E num cenário de alta da taxa de juros, em geral, existe um impacto também nas taxas de juros do crédito imobiliário. Porém, como na Direcional a maior parte dos produtos se enquadram dentro do programa Minha Casa, Minha Vida e a fonte para os financiamentos vem do FGTS, o custo desse financiamento não tem nada a ver com a taxa Selic. Então, não há uma perda da capacidade de compra do nosso cliente.
Qual é a fatia do Minha Casa, Minha Vida nas vendas da Direcional hoje?
Operamos basicamente duas marcas: a marca Direcional é focada 100% no Minha Casa, Minha Vida e a marca Riva, até o início do ano passado, era a que a gente operava fora do programa. Em junho de 2023 houve um incremento do preço teto do Minha Casa, Minha Vida para R$ 350 mil. Então, uma parcela dos produtos Riva passou a ser elegível ao programa, algo entre 40% e 60%. Se considerarmos que a Riva tem sido aproximadamente 38% do que a gente vende, e a Direcional 62%, algo em torno de 70% está sendo financiado pelo Minha Casa, Minha Vida.
Os outros 30%, então, são afetados pela volta da alta dos juros. Em quanto tempo isso deve afetar o setor?
Eu acho que o reflexo do aumento da Selic já está acontecendo nas taxas do crédito imobiliário dentro do segmento que a gente chama de SBPE [Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo]. Nas unidades acima do preço do Minha Casa, Minha Vida, o "funding" [origem do recurso] vem prioritariamente de poupança. Quando a poupança já teve os recursos utilizados, vêm de LCIs [Letras de Crédito Imobiliário] e LIGs [Letras Imobiliárias Garantidas]. E à medida que a Selic sobe, o custo médio ponderado do "funding" do banco também sobe.
Qual a consequência disso?
Já está sendo necessária uma renda maior para se comprar o mesmo produto ou para se financiar o mesmo montante. Esse é um ponto de atenção para a gente.
E vocês pensam em alguma mudança de estratégia, como empregar materiais mais baratos na construção?
Em relação aos materiais, não temos grandes alterações, mas fazemos, sim, ajustes nas tipologias ofertadas. Digamos que podemos comprar um terreno onde construiremos cem unidades de três quartos, mas podemos comprar esse mesmo terreno e construir 150 unidades de dois quartos. A unidade é um pouco menor, mas produzimos o mesmo volume de metros quadrados naquele mesmo terreno e a nossa viabilidade é a mesma. Temos muita flexibilidade para nos adaptarmos a este cenário de aumento de taxa de juros.
Outro efeito dos juros altos é a migração dos investidores da poupança para títulos de renda fixa. Vocês estão preocupados com uma escassez de recursos para financiamento imobiliário?
O que temos percebido é: ao mesmo tempo em que a gente tem uma menor disponibilidade de "funding" para o financiamento tradicional no segmento do SBPE, tem havido uma demanda muito grande por ativos isentos, como os CRIs [Certificados de Recebíveis Imobiliários].
Então, temos conseguido minimizar essa menor disponibilidade de recursos da poupança. Distribuímos esses CRIs e conseguimos buscar outras estratégias, via mercado de capitais, para continuar fazendo com que o nosso cliente tenha capacidade de compra do nosso produto e para nos financiar como empresa. Temos uma carteira de recebíveis na qual clientes estão nos pagando em 120, 150 meses e hoje temos conseguido ter liquidez.
Saindo da parte financeira, o que notaram de diferente no comportamento dos consumidores brasileiros?
Tem acontecido um fenômeno, que eu não acho que seja positivo para a sociedade. O nosso comprador tinha antes uma maior disponibilidade de recurso para dar como sinal, principalmente em função de ter um fundo de garantia [FGTS]. Com o advento do saque-aniversário, a disponibilidade de recurso para a aquisição da casa própria diminuiu. Isso tem dificultado o acesso das famílias para a compra de algo que, na minha visão, é muito positivo do ponto de vista de melhora da qualidade de vida da população.
Comprometer o FGTS com o saque-aniversário para fazer uma dívida que tem o FGTS como garantia, pegar esse recurso e gastar com usos não tão nobres...
... Como com as bets?
Isso, por exemplo. E não tão nobres como a aquisição da casa própria. Isso me preocupa como brasileiro, como alguém que quer que o país caminhe em uma direção melhor.
No mês passado, em Fortaleza, tivemos nove famílias que compraram produtos nossos com uma renda, da família inteira, de R$ 1.412. Então, muitas vezes proporcionamos que as pessoas saiam de áreas onde elas não têm um esgoto tratado, ou onde os filhos não têm um lugar adequado para estudar. E quando vemos que várias dessas famílias têm os recursos do FGTS comprometidos com gastos que talvez não tragam o mesmo benefício, eu acho que pode estar havendo ali um certo comprometimento do futuro das famílias.
RAIO-X
Ricardo Ribeiro Valadares Gontijo, 43
Graduado em engenharia civil pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), participou do Senior Executive Programme pela London Business School. Atua na Direcional desde 2004, onde iniciou sua carreira como diretor comercial. Em 2019, foi eleito diretor-presidente.
Fonte: Folha de S.Paulo
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