12 de abril de 2024
O jurídico empresarial hoje está em pé de igualdade com as demais áreas de um negócio. Essa é a percepção de Guilherme Freitas, diretor jurídico da construtora MRV, que atua no mundo corporativo há quase vinte anos.
Em entrevista ao JOTA, o executivo contou que a visão de que o departamento jurídico é um mero consultor para a tomada de decisões ficou para trás. Na prática, isso significa que o time de quase 60 pessoas que ele lidera é cobrado por resultados como qualquer outra área.
Guilherme Freitas, diretor jurídico da MRV Engenharia
“A MRV tem tido um foco muito grande em rentabilidade, geração de caixa, então é importante que nós do jurídico também tenhamos esse foco no nosso dia a dia, de achar oportunidades nas áreas da empresa, mas também fora, nos processos e na nossa atuação jurídica”, afirma Freitas.
Com apoio da equipe de tecnologia, o departamento jurídico da construtora tem criado ferramentas para facilitar o dia a dia das outras áreas e impulsionar as vendas. Um exemplo disso é o sistema que automatizou a emissão de contratos. Hoje, sem precisar contatar o jurídico, só preenchendo um formulário, um corretor consegue emitir um contrato pronto para o cliente assinar.
Agora, o time quer dar um passo além. Com uso de inteligência artificial, o jurídico trabalha ao lado do time de tecnologia para criar um chatbot que consiga tirar dúvidas jurídicas que os corretores ou os clientes possam ter no momento da venda de um imóvel.
Segundo o diretor, essa visão mais estratégica só é possível porque, no dia a dia, o jurídico da MRV fica responsável por atividades mais consultivas. Todo o contencioso da construtora é terceirizado para escritórios parceiros, assim como demandas jurídicas mais específicas.
Leia trechos da entrevista.
Na sua visão, quais são os principais desafios do time jurídico da MRV hoje?
Eu acho que o nosso maior desafio é acompanhar a velocidade da empresa. A MRV é muito empreendedora, muito inovadora. Toda hora está lançando um produto novo, uma forma diferente de atuar. Então, o nosso maior desafio é acompanhar essa velocidade e dar agilidade nos retornos. A gente sempre tem a meta de reduzir o tempo de resposta, isso está sempre no nosso radar. Também temos a missão de fazer a gestão de indicadores e de gastos do jurídico, visando resultados e redução de custos.
De que forma vocês conseguem reduzir os custos da área?
Nossa atuação busca evitar os conflitos. Não só evitar, mas também fazer mais com menos. A gente tem que gastar o mínimo de energia possível com os problemas que chegam. Quanto mais cedo a gente consegue resolver os nossos problemas, principalmente com o consumidor, menos transbordo a gente tem desses problemas para o jurídico. É caro ter problemas no judiciário. As empresas, às vezes, não fazem essa conta.
Então, todas as iniciativas que a gente tem de desjudicialização geram uma redução de despesa muito forte. Quando os processos chegam aqui, se a gente identifica realmente uma oportunidade de acordo, a gente faz. Isso, obviamente, gera uma economia e uma reconexão com o cliente, que eu acho que é o ponto mais importante.
Do ponto de vista de gestão, como conciliar as metas de agilidade de entrega e eficiência de custos com o bem-estar dos funcionários?
A gente precisa fazer as coisas com muita responsabilidade, mas também com muita leveza. Tem um papel importante do gestor, do diretor, de deixar o time muito focado em resultados, em metas, mas a gente precisa balancear bem. E aí o trabalho em equipe ajuda demais, porque as pessoas precisam se sentir parte de um time, precisam saber que podem contar com o apoio do outro para conseguir o resultado. Então, eu diria que o nosso jurídico é um jurídico muito focado em resultado, mas a gente tem realmente essa leveza. E é uma leveza feminina: aproximadamente 80% do time é formado por mulheres e eu fico super orgulhoso disso, tenho certeza que isso torna o nosso dia a dia mais leve, mais agradável e mais colaborativo.
O departamento tem utilizado ferramentas de tecnologia e inteligência artificial para ganhar agilidade no trabalho?
A gente é muito tecnológico aqui na MRV, sempre foi. Toda a parte de atendimento, solicitação de contratos, análise de pareceres, tudo é feito dentro de algum sistema que facilita o nosso atendimento e a conexão com as demais áreas. Por exemplo, a gente tem sistemas aqui que permitem que áreas de negócio respondam algumas perguntas e já consigam um contrato pronto e validado pelo jurídico para usar. Isso nos dá um ganho de agilidade enorme.
Em relação à inteligência artificial, no ano passado, todo mundo estava focado muito em utilizar no contencioso, na gestão de contratos, de processos, né? Mas esse não é o nosso foco. O nosso foco é, com ajuda da nossa área de tecnologia, usar a inteligência artificial para ajudar a MRV a vender mais e vender melhor. Por isso, nós estamos pensando em como levar para o corretor, lá na ponta, informações mais claras e mais rápidas, para caso haja alguma dúvida jurídica na hora da venda, ele consiga sanar na hora.
Há algum tema do judiciário ou legislativo que a MRV espera que avance ao longo do ano?
Eu acho que todo mundo está acompanhando a atualização do Código Civil, que gera efeitos na sociedade como um todo. A gente está atuando fortemente para dar sugestões e para analisar o que está sendo feito. Eu acho que talvez esse seja o principal movimento regulatório que está acontecendo no Brasil em relação ao direito.
Um outro ponto que eu acho que é importante acompanhar é a judicialização. Tem um tema que está no STJ [Superior Tribunal de Justiça], o tema 1.198, que trata de litigância predatória, que, basicamente, fala se o juiz poderia ou não pedir mais documentos quando ele está diante de um conflito que ele tem dúvida se realmente é um conflito real ou se é algo incentivado. É muito importante que o STJ dê um conforto e uma segurança para que os magistrados realmente tenham o direito de avaliar se o processo é real e o autor sabe que existe.
Em terceiro lugar, um ponto que é super relevante também é esse movimento do STF [Supremo Tribunal Federal] de reconhecimento da presunção de validade dos contratos que são celebrados no Brasil. Começou como um tema mais na lógica de vínculo de emprego, de aplicativo, mas tomou uma abrangência muito maior. É o STF reconhecendo que os contratos que são feitos no âmbito do direito civil prevalecem e têm que ser respeitados. Eu acho que isso traz uma segurança jurídica muito grande para as relações, em qualquer âmbito de atuação.
Mesmo a Justiça do Trabalho, quando está diante de um pedido de vínculo, seja de um franqueado, seja de um advogado ou um corretor autônomo, que é o nosso caso, quando a Justiça do Trabalho se depara com isso, ela tem que olhar primeiro para o contrato. Se o contrato for válido, ele tem que ser respeitado, e o STF tem dado esse recado, que eu acho que é super importante, que não cabe à Justiça do Trabalho ficar passando por cima dos contratos que foram celebrados entre empresas.
A gente teve quatro decisões do STF sobre vínculo com o corretor autônomo, todas favoráveis. Inclusive, uma já em agravo.
As funções do jurídico de uma grande empresa hoje são diferentes de quando o senhor começou na carreira?
Mudou muito. Quando eu entrei nesse mundo corporativo, em 2007, há quase 20 anos, o jurídico era visto de outra forma, era mais um consultor, um conselheiro, para situações em que a empresa precisa tomar uma decisão. Era muito numa lógica de ficar ali, ao lado do negócio, dizendo se podia ou não fazer algo. Hoje, a gente está dentro da estrutura de tomada de decisão da empresa, em pé de igualdade com todas as outras áreas.
Na MRV, hoje a gente apoia muito a estrutura de negócios a achar caminhos para conseguir realizar negócios de forma muito mais rápida e muito mais segura. Ao longo dos últimos anos, a MRV tem tido um foco muito grande em rentabilidade, geração de caixa, então é importante que nós do jurídico também tenhamos esse foco no nosso dia a dia, de achar oportunidades nas áreas da empresa, mas também fora.
O jurídico da MRV fica muito próximo das áreas de negócio, principalmente do comercial, para encontrar oportunidades, mas sempre com olhar de cuidado com o cliente. O nosso cliente vai morar dentro de um produto nosso para o resto da vida, a nossa responsabilidade é muito grande.
A gente tem, inclusive, um projeto super bacana, que foi uma reestruturação do contrato de compra e venda do imóvel. Antigamente, era um contrato muito seco, longo, às vezes complexo para o cliente, com muitos termos jurídicos, que normalmente as pessoas não têm compreensão. Há cinco anos, a gente pegou um contrato de 22 páginas e transformou em um contrato de 6 páginas, 7 páginas, muito mais simples. Com uma linguagem mais simplificada, conversando com o cliente.
Em uma segunda etapa, a gente começou a trazer aspectos visuais para o contrato, para facilitar ainda mais a compreensão do cliente. A gente coloca gráficos e imagens para tornar mais tangível aquela informação.
Com essa mudança no modelo do contrato para clientes, vocês perceberam algum benefício para o negócio?
Não só gera menos ruído com o cliente, como acho que é um diferencial de negócio para a MRV. A pessoa que sai de um stand de uma concorrente e depois entra no nosso e vê um contrato colorido, cheio de imagens, tem uma percepção de que as informações estão claras ali, isso passa mais confiança.
A gente já teve feedbacks maravilhosos dos nossos clientes em relação ao contrato, e isso é muito gratificante. As pessoas falam não só do formato, da linguagem, mas também da facilidade na assinatura, porque hoje podem assinar de casa, do celular, de onde quiserem.
Para o senhor, como um jovem interessado em atuar no jurídico de uma grande empresa deve se preparar?
Não tem segredo. Tem que estudar muito, tem que colocar a mão na massa e ser muito proativo. Às vezes, as pessoas estão esperando que outras pessoas sejam protagonistas da carreira. E, na verdade, nós é que temos que ser. A carreira é nossa, né? Então, eu sempre fui muito naquela lógica de pedir as coisas, de perguntar como poderia ajudar. Essa visão proativa é muito importante.
As pessoas precisam estudar cada vez mais, se aprofundar cada vez mais. Mas também é muito importante saber colaborar e ter uma cabeça aberta, voltada para inovação. Temos que sair da cadeira para fazer algo diferente, mudar processos, sistemas, para evitar que problemas repetidos aconteçam.
Além do direito, tem algum conhecimento que o senhor acha que é importante um advogado conhecer?
Sem dúvida, finanças. Para mim, o advogado que não conhece hoje de finanças, de aspectos de contabilidade, vai ter muita dificuldade. Esse é um ponto que a gente deveria tratar mais nas faculdades de direito. Eu acho que seria importante trazer essa cultura de finanças, de ensinar a entender o impacto do direito no financeiro das empresas.
Fonte: Portal Jota
MRV
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