17 de julho de 2023
Antonio Setin, presidente da Setin Incorporadora
Ele não esperava chegar tão longe! Antonio Setin deixou a profissão de marceneiro para fundar nos anos 1970 uma das principais incorporadoras do Brasil, que completa 45 anos em 2024. Até dezembro, o VGV de lançamentos da empresa deve somar R$ 750 milhões. A seguir, ele fala sobre as lições que aprendeu, avalia as mudanças no conceito de alto padrão e se diz otimista com relação ao futuro do mercado.
Você imaginava fundar uma companhia tão longeva em um setor tão competitivo quanto o imobiliário?
Antonio Setin - De fato, não. Na verdade, desde quando comecei, aos 22 anos, nunca estabeleci nenhum parâmetro de tempo, nem de dinheiro. Só tinha vontade de fazer algo que eu achava que era romântico e que me agradava muito — e continua agradando: construir casas para as pessoas.
Como foi o início?
Antonio Setin - Como minha origem é humilde, meus parâmetros de sucesso sempre foram muito singelos. Meu histórico profissional começou em uma marcenaria, que eu tinha 12 anos. Graças a esse trabalho, eu pude fazer faculdade de Arquitetura e buscar meu sonho, que era de construir casas. Começamos fazendo isso nos finais de semana, para ter uma renda, e investia o lucro da marcenaria em terreno e tijolo. Comecei assim, trabalhando junto com os pedreiros. Não esperava chegar aonde cheguei, só queria realizar um sonho. Não contava quanto dinheiro eu tinha ganho, mas quantos metros de construção eu tinha feito. Hoje, estou feliz em comemorar os 45 anos da companhia no ano que vem.
Que lições você pode destacar dessa trajetória?
Antonio Setin - A principal é de que, no ramo imobiliário, muitas vezes achamos que já sabemos tudo, mas, em determinados momentos, percebemos que não sabemos nada. Ainda mais no Brasil, onde tudo pode mudar nos curto e médio prazos.
Quais episódios lhe ‘ensinaram’ mais?
Antonio Setin - Quando o presidente Collor congelou os preços e sequestrou nosso dinheiro, a empresa era de porte médio e absolutamente líquida. De um dia para o outro, não sabia mais como tocar as obras. Conseguimos contornar o problema, apesar de perder muito dinheiro, mas aprendi. Disse a mim mesmo: “Agora, você não tem mais o que errar.”
Aí vieram os distratos no governo Dilma, e eles comeram as pernas das médias empresas do setor. Eu ouvi um dia do Elie Horn (Cyrela) que, se continuasse daquele jeito, todos iriam quebrar. Trabalhamos muito pela criação da Lei dos Distratos, e o mercado voltou a ser saudável.
Ainda houve sobressaltos depois?
Antonio Setin - Eu achei que tinha aprendido de tudo, mas veio o período da taxa de juros a 2%. Acreditei que aquele seria o novo normal do cenário nacional, pois era um índice correto para o Brasil, e imaginei que recuperaria tudo aquilo que havia perdido com os distratos. Menos de dois anos depois, o cenário mudou completamente: de céu de brigadeiro para turbulência, com o mercado tentando sobreviver a taxas absolutamente anormais, com juro real a 8%, 9%. E ninguém acorda de manhã com vontade em investir em imóveis, se o dinheiro no banco está rendendo 15% ao ano, certo?
Aprendi com isso que não dá para acreditar nem quando as coisas estão boas demais. Daqui a alguns anos vamos passar por uma nova crise, com certeza, e direi a mim mesmo: ‘opa, ainda não aprendi tudo’.
Setin Downtown República — Foto: Setin Incorporadora/Divulgação
No horizonte próximo, qual é a perspectiva?
Antonio Setin - Tudo gira em torno de uma solução fiscal para o Brasil. Um país só desenvolve seu mercado imobiliário com taxa de juros de um dígito. É um conjunto de coisas que tendem a se encontrar nos curto e médio prazos: o novo Plano Diretor, redução da taxa de juros e inflação flat. Acredito muito que voltaremos a navegar em um bom momento.
O maior desafio é vencer o custo de capital, porque o segmento de médio-alto padrão tem “funding” mais caro e de acesso mais difícil. Depende muito de o cliente pagar uma “poupança” até a entrega das chaves. O prazo de dois a três anos é um bom para reequilibrar as coisas e fazer a renda do brasileiro voltar a crescer.
O que mudou no conceito de imóvel de alto padrão nestes anos?
Antonio Setin - Há muitos anos, alto padrão era um apartamento grande – e tinha de ser neoclássico. Hoje, não depende mais de tamanho: precisa ter sofisticação, design diferenciado e excelente localização.
Qual sua avaliação sobre a revisão do Plano Diretor de SP?
Antonio Setin - As restrições anteriores eram muitas e levaram o metro quadrado de São Paulo a ficar tão caro. Ao redor dos eixos de transporte, por exemplo, o preço dos apartamentos subiu tanto que apenas milionários conseguem comprar.
Restringir a verticalização no miolo dos bairros tem o mesmo efeito: reduz a oferta e encarece os imóveis. Com preço alto, a pessoa procura oportunidades nos eixos de transporte, onde o custo de habitação também ficou elevado. Assim, ela acaba comprando algo bem menor do que pretendia.
Quanto mais se disponibiliza terra para verticalizar, mais o preço cai, mais a infraestrutura urbana instalada é utilizada e mais o eixo de transporte é buscado.
Como as incorporadoras têm contribuído para esse debate?
Antonio Setin - As restrições deveriam ser debatidas com a sociedade, não impor movimentos radicais que acham um absurdo ter edifícios altos na Avenida Rebouças, por exemplo. A legislação restringiu tanto a verticalização que os poucos terrenos disponíveis para isso ficaram no entorno dessas grandes avenidas.
Acho que o Poder Público deveria ouvir mais quem produz habitação. Em alguns momentos, somos chamados de “especuladores”. Você sabe qual é o maior terror do incorporador? O estoque. O especulador ama estoque, mas nós odiamos! Se eu não vender o que tem no estoque, não pago o banco.
Nós sabemos onde as pessoas querem morar e deveríamos ser ouvidos, como aconteceu no caso da ampliação do raio de verticalização. Mas não sei se amanhã isso será obedecido. Enquanto isso, o paulistano segue pagando mais caro.
Você é avesso à ideia de abrir capital?
Antonio Setin - Não avesso, mas o business imobiliário precisa ter “dono”. Me diga uma empresa que deu certo abrindo capital e que não tenha dono? Algumas são bastante pulverizadas, mas precisa ter alguém presente no dia a dia, como se a empresa fosse só dele. E essas empresas estão muito melhores do que aquelas que não têm esta pessoa.
Por que é importante essa presença?
Antonio Setin - Porque alguns preceitos podem se perder se for diferente. Esse é um negócio de ciclo longo. Uum empreendimento imobiliário vai conhecer, pelo menos, três presidentes da República. Ou seja, vai encarar mudança de plano econômico, metas de inflação, gestões diferentes no Banco Central, mudança de legislação, guerras etc.
Você está preparando sua filha para a sucessão no comando da empresa. A ideia é manter o negócio na família?
Antonio Setin - Minha filha será a sucessora no negócio, para o bem das pessoas que trabalham comigo e para dos clientes. Eu acredito que tenha de ser alguém com o mesmo DNA para tocar nossa história e legado nos próximos 45 anos.
Eu já poderia ter me aposentado, mas gosto muito do que eu faço e de saber que meu cliente foi bem atendido. No passado, quando a empresa era menor, eu entregava pessoalmente as chaves dos imóveis para as famílias. Aquilo me realizava demais! Não tem coisa mais gostosa do que ver gente feliz por algo que você fez. E ainda sou remunerado por isso! É muito bom.
Fonte: Valor Econômico
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